Depois de passar 39 dias foragida da Justiça, a prefeita afastada de Bom Jardim (MA), Lidiane Leite da Silva, de 25 anos, se apresentou, nesta segunda-feira (28), à sede da Superintendência da Polícia Federal (PF), em São Luís (MA). A ex-gestora municipal sumiu após sua prisão ter sido decretada na Operação Éden, que investiga desvios de verbas da educação.
Acompanhada por três advogados, Lidiane chegou na sede da PF por volta de 13h e entrou pelos fundos para não chamar atenção. Ela vai ser ouvida e depois será encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML) para realizar exame de corpo de delito. Após os procedimentos, ela deve ser encaminhada para o quartel do Corpo de Bombeiros de São Luís, onde permanecerá à disposição da Justiça.
Lidiane Leite assumiu a prefeitura aos 22 anos (Foto: Arquivo pessoal)
O nome de Lidiane não chegou a ser incluído na lista vermelha da Interpol (a polícia internacional), como a PF havia anunciado no mês passado. O cerco para capturar Lidiane contou com o reforço da vigilância nas rodoviárias e aeroportos do Maranhão. O superintendente da PF Alexandre Saraiva chegou a anunciar que quem ajudasse a prefeita a se esconder seria incluído como participante de organização criminosa.
Prazo de 72 horas
Na última sexta-feira (25), o juiz da 2ª Vara do Tribunal Regional Federal (TRF) José Magno Linhares havia estipulado o prazo de 72 horas para que a prefeita afastada de Bom Jardim se entregasse. O magistrado entendeu que Lidiane Leite tinha interesse em se apresentar à Justiça para “prestar os esclarecimentos necessários à elucidação dos fatos”.
A decisão foi tomada após a apresentação de um pedido de revogação da prisão preventiva de Lidiane Leite, que foi feito pelo advogado de Antônio Gomes da Silva, ex-secretário de Agricultura do município.
Ex-secretários em liberdade
O ex-secretário de Assuntos Políticos de Bom Jardim, Humberto Dantas dos Santos, o “Beto Rocha”, e o ex-secretário Antônio Gomes da Silva tiveram a prisão preventiva revogada pelo Tribunal Regional Federal na última sexta-feira. Beto Rocha era namorado da prefeita e foi preso no dia 20 de agosto pela PF.
O magistrado José Magno entendeu que ambos não têm como “dar continuidade às práticas supostamente delituosas, ligadas ao desvio de verbas públicas transferidas à municipalidade”, segundo trecho da decisão publicada.
Vice empossada
No início de setembro, a Câmara Municipal de Bom Jardim cassou o mandato de Lidiane Leite. A perda do mandato aconteceu após ela se ausentar da cidade por mais de 15 dias sem a autorização dos vereadores.
Após a decisão, a Casa empossou a vice-prefeita, Malrinete Gralhada, que já havia assumido o cargo interinamente, no dia 28 de agosto. Dos 13 vereadores, 10 compareceram à sessão extraordinária.
Auditoria
Na primeira semana de setembro, a nova administração do município de Bom Jardim (MA) começou a divulgar os resultados da auditoria, que está sendo realizada nas contas do município. A apuração chegou a uma fraude em recursos destinados ao setor responsável pelo programa Bolsa Família, do governo federal.
Os auditores afirmam ter descoberto novo esquema de desvio de dinheiro público, desta vez na Secretaria de Assistência Social de Bom Jardim. Conforme levantamento, a secretaria consumiu mais de R$ 1 milhão com o pagamento de diárias.
Documentos, depoimentos de servidores e extratos bancários reforçam a denúncia. Ainda de acordo com a comissão, pelo menos 20 funcionários de todos os níveis, dentro da assistência social, receberam as diárias.
O Ministério Público pediu, por meio de duas ações civis públicas por improbidade adminstrativa, a indisponibilidade dos bens e o afastamento de Lidiane.
Também foram denunciados o ex-secretário de Assuntos Políticos, Beto Rocha, os empresários Antônio Oliveira da Silva e Karla Maria Rocha Cutrim, da Zabar Produções (empresa contratada para reformar escolas), além do contador e pregoeiro do Município Marcos Fae Ferreira França.
Ex-secretários municipais presos pela PF. (Foto: Reprodução / TV Mirante)
Quem reapareceu em um caso de desvios de verbas públicas é o empresário Fabiano de Carvalho Bezerra, envolvido em esquema de corrupção na Prefeitura de Anajatuba (MA), denunciado pelo quadro “Cadê o Dinheiro Que Tava Aqui?”, do Fantástico. Também aparecem nas denúncias o empresário Raimundo Nonato Silva Abreu Júnior, o motoboy nilson Araújo Rodrigues.
Reformas e aluguéis
Ação do MP mostra que a empresa Zabar Produções obteve R$ R$ 1.377.299,77 em licitação na modalidade tomada de preços para a reforma de 13 escolas municipais. O dono da Zabar afirmou, em depoimento à promotoria, que os valores recebidos pelo contrato eram repassados para a conta pessoal de Beto Rocha, que se encarregava de contratar os funcionários para as supostas reformas das escolas. Ele garantiu que quatro escolas chegaram a ter reformas.
A promotora Karina Freitas Chaves afirma que a “A4 Serviços e Entretenimento Ltda” é uma empresa de fachada, pois não há registros de uma sede ou de veículos. A empresa teria vencido licitação para locação de veículos na modalidade pregão presencial, no valor R$ 2.788.446,67.
Sem partido
Com o envolvimento nas investigações e a prisão decretada, a prefeita ficou sem partido. É que tanto o Partido Republicano Brasileiro (PRB), pelo qual ela se candidatou e se elegeu prefeita em 2012, quanto o Partido Progressista (PP), ao qual anunciou filiação em julho deste ano, negaram ao G1 a filiação da gestora municipal.
No último dia 10 de julho, a Lidiane realizou um comício em que tornou pública sua filiação ao PP. “É uma demonstração do meu ato de filiação ao PP, do meu apoio a Waldir (Maranhão)”, declarou em entrevista à equipe de reportagem da TV Mirante de Santa Inês (MA), que acompanhou o ato.
Vida humilde
Antes de se tornar prefeita por acaso e passar a ostentar uma vida de luxo nas redes sociais, a jovem vendia leite na porta da casa da mãe para sobreviver e viu a vida mudar após iniciar namoro com o fazendeiro Beto Rocha, que possui patrimônio em torno de R$ 14 milhões.
Prefeita cassada, Lidiane Leite, acompanhada do então namorado Beto Rocha (Foto: Arquivo pessoal)
Em 2012, o empresário foi candidato a prefeito, mas teve a candidatura impugnada e lançou a namorada pelo PRB. Lidiane acabou eleita com 50,2% dos votos válidos (9.575) frente ao principal adversário, o médico Dr. Francisco (PMDB), que obteve 48,7% (9.289). Beto assumiu a Secretaria Municipal de Assuntos Políticos e acabou preso na “Operação Éden”, no dia 20 de agosto.
Protesto de hackers
No dia 24 de agosto, o grupo de hackers “ASOR Hack Team” invadiu o site da Prefeitura de Bom Jardim para protestar contra as denúncias de corrupção no executivo municipal. Quem acessava o domínio, encontrava a mensagem:
“Em apoio a população de Bom Jardim MA: Em resposta às denuncias de corrupção junto a prefeitura de Bom Jardim MA, este é nosso protesto!! EXIGIMOS RESPEITO A POPULAÇÃO!! Corruptos não passarão batidos!!”, diz a mensagem publicada na página eletrônica hackeada.
Prefeita ostentação
A rotina de ostentação, marcada por viagens, festas, roupas caras, veículos e passeios de luxo era divulgada por ela nas redes sociais. “Eu compro é que eu quiser. Gasto sim com o que eu quero. Tô nem aí pra o que achem. Beijinho no ombro pros recalcados”, comenta na internet.
Lidiane Leite ostentava boa vida nas redes sociais (Foto: Fotos: Divulgação)
Em outro post, ela diz: “Devia era comprar um carro mais luxuoso pq graças a Deus o dinheiro ta sobrando (sic)”.
Pedidos de afastamento
Antes da repercussão das denúncias de desvios de verbas da educação, a prefeita já havia sido afastada do cargo três vezes.
Na primeira vez, em abril de 2014, ela foi afastada por 30 dias pela Câmara Municipal de Bom Jardim após votação dos vereadores por “improbidade administrativa”, mas retornou ao cargo após obter liminar da Justiça em apenas 72 horas.
Na segunda vez, em dezembro de 2014, Lidiane foi afastada pelo juiz Raul Goulart Júnior. A decisão foi suspensa pelo Tribunal de Justiça do Maranhão em 48 horas.
O terceiro afastamento foi em maio deste ano, quando os vereadores votaram solicitação do Sindicato de Professores, que denunciava problemas na educação pública. A prefeita voltou ao cargo novamente por meio de liminar obtida em apenas 72 horas.
Bom Jardim
A cidade tem população estimada em 40.405, segundo o site do IBGE, e fica no Vale do Pindaré, na região oeste do Maranhão. Com índice de 0,538, ocupa a 175ª posição no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), da Organização das Nações Unidas (ONU), que analisa o acesso à educação, renda e expectativa de vida.
É considerada a segunda pior cidade para se viver no Vale do Pindaré, composto por 22 outros municípios. Após os escândalos envolvendo a prefeita da cidade, parte da população foi às ruas protestar pelo fim da corrupção.