Entrevista com o líder do PCC, Marco Willians Herbas
Camacho, o Marcola, ao jornal O Globo.
Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não
conhecemos nem o problema
O GLOBO: Você é do
PCC?
- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre
e invisível… vocês nunca me olharam durante décadas… E antigamente era mole
resolver o problema da miséria… O diagnóstico era óbvio: migração rural,
desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias… A solução é que nunca
vinha… Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para
nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas
sobre a “beleza dos morros ao amanhecer”, essas coisas… Agora, estamos ricos
com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo… Nós somos o início
tardio de vossa consciência social… Viu? Sou culto… Leio Dante na prisão…
O GLOBO: – Mas… a
solução seria…
- Solução? Não há mais solução, cara… A própria idéia de
“solução” já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de
helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com
muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto
nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na
educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma
“tirania esclarecida”, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular,
que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287
sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC…) e do Judiciário, que
impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país,
teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais
e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios…). E tudo isso
custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na
estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.
O GLOBO: – Você não
têm medo de morrer?
- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na
cadeia vocês não podem entrar e me matar… mas eu posso mandar matar vocês lá
fora…. Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba… Estamos no
centro do Insolúvel, mesmo… Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da
morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos,
diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque
do coração… A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala… Vocês
intelectuais não falavam em luta de classes, em “seja marginal, seja herói”?
Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha… Vocês nunca esperavam esses guerreiros do
pó, né? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante… mas meus
soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não
há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa
crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se
diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade.
Já surgiu uma nova linguagem.Vocês não ouvem as gravações feitas “com
autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de
pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela
tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com
chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são
fungos de um grande erro sujo.
O GLOBO: – O que
mudou nas periferias?
- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40
milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um
escritório… Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós
somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no
“microondas”… ha, ha… Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes.
Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos
em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês
morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no
ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem
piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de
palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor.
Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto
vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses.
Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.
O GLOBO: – Mas o que
devemos fazer?
- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do
pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas
paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana?
Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas… O país está quebrado,
sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os
gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC
e o CV? Estou lendo o Klausewitz, “Sobre a guerra”. Não há perspectiva de
êxito… Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas… A gente já tem
até foguete anti-tanques… Se bobear, vão rolar uns Stingers aí… Pra acabar com
a gente, só jogando bomba atômica nas favelas… Aliás, a gente acaba arranjando
também “umazinha”, daquelas bombas sujas mesmo. Já pensou? Ipanema radioativa?
O GLOBO: – Mas… não
haveria solução?
- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de
defender a “normalidade”. Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer
uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco…na boa… na moral…
Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês… não têm saída.
Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução.
Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como
escreveu o divino Dante: “Lasciate ogna speranza voi cheentrate!” Percam todas
as esperanças. Estamos todos no inferno.
A.J.
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