O Faraó e a cassação de Lago
Hélio Duque
Há alguns anos no Egito, fiz questão de visitar o Vale dos Reis e nele conhecer a tumba de Tutankamon. No Brasil quem desejar conhecer algo parecido deve programar uma ida a São Luis, capital do Maranhão. Em lá chegando deve visitar o Convento das Mercês, notável construção portuguesa do século XVII, desapropriada pelo governo estadual e entregue por doação a uma fundação criada para perpetuar o culto à personalidade de Jose Sarney. Reúne documentos e objetos do seu período na presidência da República e vasto acervo da sua vida política. Em uma das suas instalações se defrontará com a tumba mortuária destinada a acolher Sarney, quando da sua passagem para o mundo extratemporal. Certamente receberá a inscrição: “Aqui jaz o faraó do Maranhão.”
Voltando pela terceira vez à presidência do Congresso Nacional, com grande alegria, há uma semana viu o clã, que havia sido derrotado em 2006, nas eleições estaduais, voltar ao poder pela cassação do governador Jackson Lago. Nele foi entronizado a filha Roseana Sarney. O Tribunal Superior Eleitoral acolheu as razões alegadas de abuso do poder econômico que teriam sido praticadas na campanha eleitoral que lhe infligiria a primeira derrota em 40 anos de domínio absoluto. Derrotada a filha querida, o patriarca Sarney acionou o seu dispositivo poderoso, certo de que seria vitorioso.
A donataria maranhense seria retomada para tranqüilidade e segurança dos interesses familiares enraizados naquela realidade feudal. Antes mesmo do TSE anunciar oficialmente a cassação do governador, o TRE do Maranhão convocou a Secretaria de Segurança e a Polícia Militar para a adoção de medidas preventivas de segurança pública. A desembargadora Nelma Sarney, casada com Ronald Sarney, irmão do patriarca, é a presidente do TRE. A antecipação à decisão da justiça eleitoral em Brasília era clara demonstração do que ocorreria na sessão a se realizar.
Tenho grandes amigos naquele Estado. Um deles é a doce, generosa e solidária figura de dignidade política que se chama Jackson Lago. Prefeito por várias vezes de São Luís, onde o clã sarneico sempre foi derrotado. Daí ser chamado de ilha rebelde. Em novembro de 1979, voltava ao Maranhão, após exílio de 15 anos, o jornalista e ex-deputado federal Neiva Moreira. O inesquecível Ulysses Guimarães designou três parlamentares do MDB para se fazer presente quando do desembarque daquela marcante liderança no seu Estado. Ao lado de Odacir Klein e do saudoso Getulio Dias, fomos oferecer solidariedade àquele brasileiro.
Ao chegarmos ao aeroporto, estava Jackson Lago que não permitiu que fôssemos para o hotel e nos levou para a sua residência, onde nos hospedou, por três dias. À noite, na Praça João Lisboa, principal centro político da capital, uma manifestação popular reunindo uma multidão incalculável, tributava a Neiva Moreira homenagem inesquecível. Coordenando o grande comício, o líder e humanista Jackson Lago. Quando coube-me a vez de falar, recordo como hoje, comecei assim: “Neiva Moreira você foi banido e cassado do seu querido Maranhão, para que os marimbondos de fogo borboleteassem nesse mar de corrupção.” O mais triste é que 30 anos depois, nada mudou e o Estado perfila no atraso e no mandonismo clânico.
José Sarney, o dono do Maranhão, não admite contestação. Que o diga o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Francisco Rezek, advogado do governador Jackson Lago, que acusou o clã sarneizista de “dar um golpe de Estado pela via judiciária”. Recebeu carta de Sarney, lembrando-lhe que devia a ele sua indicação para o STF. O advogado Rezek o desmentiu, dizendo que fora indicado pelo general João Figueiredo e que assumiu o cargo em 1983, dois anos antes de a infecção hospitalar vitimar Tancredo Neves e o oligarca maranhense ascender ao poder.
Não satisfeito em adonar-se do Maranhão, o presidente do Congresso Nacional incorporou desde
Em um país sem memória, é importante e necessário recordar o passado. Hoje comandante do Congresso Nacional, dono das capitanias do Maranhão e do Amapá, tutor do governo Lula da Silva, o jornalista Merval Pereira em “O Globo” (5-3-2009), relembrou as eleições presidenciais de 1989, e o que o então sindicalista-candidato dizia de José Sarney. Segue a transcrição do que afirmava Lula: “A Nova República é pior do que a velha, porque antigamente era o militar que vinha na TV e falava. Hoje o militar não precisa falar porque o Sarney fala pelos militares e os militares falam pelo Sarney. Nós sabemos que antigamente se dizia que o Adhemar de Barros era ladrão, que o Maluf era ladrão. Pois bem, Adhemar e Maluf poderiam ser ladrão (sic), mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República.”
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.
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