Médicos ouvidos por jornalista defendem isolamento apenas de
idosos, pessoas com doenças crônicas e com baixa imunidade — e tratar o
restante da sociedade como se lida com a gripe
Geraldo Samor e Pedro Arbex
Thomas
Friedman, um dos colunistas mais influentes do mundo, ouviu três
médicos e escreveu o artigo mais contundente até agora sobre o risco do
lockdown global se estender por muito tempo.
No texto, publicado
hoje à tarde no The New York Times, Friedman nota que os políticos estão
tendo que tomar “decisões enormes de vida ou morte, enquanto atravessam
uma neblina com informação imperfeita e todo mundo no banco de trás
gritando com eles. Eles estão fazendo o melhor que podem.”
Mas com
o desemprego se alastrando pelo mundo tão rápido quanto o vírus,
“alguns especialistas estão começando a questionar: ‘Espera um minuto! O
que estamos fazendo com nós mesmos? Com nossa economia? Com a próxima
geração? Será que essa cura — mesmo que por um período curto — será pior
que a doença?’
Friedman diz que as lideranças políticas estão
ouvindo o conselho de epidemiologistas sérios e especialistas em saúde
pública. Ainda assim, ele diz que o mundo tem que ter cuidado com o
“pensamento de grupo” e que até “pequenas escolhas erradas podem ter
grandes consequências”.
Para
ele, a questão é como podemos ser mais cirúrgicos na resposta ao vírus
de forma a manter a letalidade baixa e ao mesmo tempo permitir que as
pessoas voltem ao trabalho o mais cedo possível e com segurança.
Friedman diz que “se a minha caixa de email for alguma indicação, uma reação mais inteligente está começando a brotar.”
Ele
cita um artigo publicado semana passada pelo Dr. John P. A. Ioannidis,
um epidemiologista e co-diretor do Centro de Inovação em
Meta-Pesta-Pesquisa de Stanford. No artigo, Ioannidis diz que a
comunidade científica ainda não sabe exatamente qual é a taxa de
mortalidade do coronavírus. Segundo ele, “as evidências disponíveis hoje
indicam que a letalidade pode ser de 1% ou ainda menor.”
“Se essa
for a taxa verdadeira, paralisar o mundo todo com implicações
financeiras e sociais potencialmente remendas pode ser totalmente
irracional. É como um elefante sendo atacado por um gato doméstico.
Frustrado e tentando fugir do gato, o elefante acidentalmente pula do
penhasco e morre.”
Friedman
também cita o Dr. Steven Woolf, diretor emérito do Centro Sobre a
Sociedade e Saúde da Universidade da Virgínia, para quem o lockdown
“pode ser necessário para conter a transmissão comunitária, mas pode
prejudicar a saúde de outras formas, custando vidas”
“Imagine um
paciente com dor no peito ou sofrendo um derrame — casos em que a
rapidez de resposta é essencial para salvar vidas — hesitando em chamar o
serviço de emergência por medo de pegar coronavírus. Ou um paciente de
câncer tendo que adiar sua quimioterapia porque a clínica está fechada”.
Friedman
complementa: “Imagine o estresse e a doença mental que virá — já está
vindo — de termos fechado a economia, gerando desemprego em massa”.
Woolf,
o médico da Virgínia, afirma no artigo que a renda é uma das variáveis
mais fortes a afetar a saúde e a longevidade. “Os pobres, que já sofrem
há gerações com taxas de mortalidade mais altas, serão os mais
prejudicados e provavelmente os que receberão menos ajuda. São as
camareiras dos hotéis fechados e as famílias sem opções quando o
transporte público fecha.”
Há outro caminho?, pergunta Friedman.
Para
ele, a melhor ideia até agora veio do Dr. David Katz, diretor do Centro
de Prevenção e Pesquisa da Universidade de Yale e um especialista em
saúde pública e medicina preventiva.
Num artigo publicado
sexta-feira no The New York Times, o Dr. Katz diz que há três objetivos
neste momento: salvar tantas vidas quanto possível, garantindo que o
sistema de saúde não entre em colapso, “mas também garantir que no
processo de atingir os dois primeiros objetivos não destruamos nossa
economia e, como resultado disso, ainda mais vidas.”
Como fazer isso?
Katz
diz que o mundo tem que pivotar da estratégia de “interdição
horizontal” que estamos empregando agora — restringindo o movimento e o
comércio de toda a população, sem considerar a variância no risco de
infecção severa — para uma estratégia mais “cirúrgica”, ou de
“interdição vertical”.
“A abordagem cirúrgica e vertical focaria
em proteger e isolar os que correm maior risco de morrer ou sofrer danos
de longo prazo — isto é, os idosos, pessoas com doenças crônicas e com
baixa imunidade — e tratar o resto da sociedade basicamente da mesma
forma que sempre lidamos com ameaças mais familiares como a gripe.”
Katz
sugere que o isolamento atual dure duas semanas, em vez de um período
indefinido. Para os infectados, os sintomas aparecerão nesse período.
“Aqueles que tiverem uma infecção sintomática devem se auto-isolar em
seguida, com ou sem testes, que é exatamente o que fazemos com a gripe.
Quem não estiver sintomático e fizer parte da população de baixo risco
deveria voltar ao trabalho ou a escola depois daquelas duas semanas.”
“O
efeito rejuvenescedor na alma humana e na economia — de saber que
existe luz no fim do túnel — é difícil de superestimar. O risco não será
zero, mas o risco de acontecer algo ruim com qualquer um de nós em
qualquer dia da nossa vida nunca é zero.”
Fonte: Brazil Journal
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