segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Javier riu quando gritaram que os soldados venezuelanos estavam disparando bombas de gás lacrimogêneo.
Sentado em sua cadeira de rodas, com uma bandeirola da Venezuela presa aos fios crespos que formam um rabo de cavalo, fez troça dos manifestantes que corriam sob o som dos disparos. “Isso não faz nada com a gente, é pouco, já estamos acostumados com o gás”, dizia, equipado com uma dessas máscaras de pintura vendidas em qualquer loja de construção.
Foi na quarta ou quinta bomba a explodir que Javier achou por bem sair de trás de uma das pilastras que sustentam a ponte Fernando de Paula Santander, que separa a cidade colombiana de Cúcuta e a cidade venezuelana de Ureña. Com o ar tomado pelo pó químico a lhe queimar a pele e os olhos, Javier percebeu que não conseguiria sair dali com sua cadeira de rodas a tempo de não sufocar. Abandonou as bravatas e decidiu pedir socorro: “Ajuda, ajuda, não consigo me mover”. Foi carregado por um jornalista que acompanhava a cena. A cadeira ficou para trás.
Poucos minutos depois, cadeira de rodas recuperada, chegou a uma conclusão comum a maioria dos manifestantes que tentam há dois dias romper o cerco dos militares venezuelanos nas pontes que ligam Cúcuta à Venezuela. “Sem armas não vamos conseguir. Nem máscaras nós temos, precisamos de equipamento para conseguir abrir passagem para a ajuda humanitária”, dizia, entre uma cusparada e outra, com a boca ainda cheia de saliva causada pelo gás lacrimogêneo.
Os colegas, concordaram e fizeram eco à demanda do cadeirante que diz ter tomado um tiro em Caracas há dois anos. “Precisamos ter algo para lutar, só com pedras não conseguiremos”, dizia Alejandro, um jovem rapaz de 17 anos que se dizia disposto a dar a vida para derrubar Maduro.
Javier e Alejandro fazem parte de um grupo de algumas centenas de venezuelanos que cruzaram a fronteira na sexta-feira para assistir ao concerto organizado por Richard Branson. Eles acreditavam que conseguiriam retornar à Venezuela com os caminhões carregados com comida, remédios e itens de primeira necessidade que os Estados Unidos enviaram para cá como estratégia para pressionar o ditador Nicolás Maduro. Esperavam genuinamente ser recebidos de braços abertos pelos soldados.
“Imaginamos que Guaidó (Juan Guaidó, que se declarou presidente interino da Venezuela) havia feito um acordo com os generais, que seria o fim de Maduro”, me dizia Carlos Rodríguez, um comerciante de San Cristóbal, uma cidade a poucos quilômetros da fronteira.
Ele, como muitos dos que estão aqui, acreditam que Maduro foi mais inteligente e trocou os soldados por integrantes dos temidos Colectivos, os grupos paramilitares organizados pelo ex-presidente Hugo Chávez, há mais de uma década. “Não temos medo dos soldados, eles sofrem como nós. Temos medo dos Colectivos, eles são homens maus, são eles que não deixam os caminhões passar”, diz o jovem Alejandro.
As teorias criadas nas rodas de venezuelanos que estão impedidos de retornar para suas casas e agora dormem pelas praças e ruas próximas às pontes que unem os dois países reforçam a ideia de que a solução para essa crise é por meio da violência.
Os grupos que enfrentam os soldados e os Colectivos dizem ser essa a única maneira de conseguir tirar Maduro do poder. “Eles reconhecem Guaidó como presidente mas não fazem nada. Aqui precisa acontecer o que aconteceu no Panamá, precisamos de uma intervenção”, dizia um jovem que não quis dar seu nome, sobre a Ponte de Urenãs. “Se não eles não têm coragem de enfrentar Maduro que nos deem as armas então, porque não temos medo dele”.
No lado venezuelano, no entanto, o medo parece ter sido a tônica do domingo. Após a dura repressão do regime contra aqueles que tentaram abrir passagem para o comboio com as cargas enviadas pelos Estados Unidos, pouca gente saiu de casa. Homens armados e com máscaras rodavam pelas cidades fronteiriças em motocicletas. Uma espécie de toque de recolher informal foi observado em toda a região.
Michele Garcia, uma jovem de 22 anos que agora não sabe como voltar para casa, observava seus compatriotas se preparando para um novo embate contra os soldados da Guarda Nacional e repetia para si mesma: “Temos que ter fé, temos que ter fé, um dia conseguiremos tirar Maduro”.

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