Na semana passada, a comunidade de Marudá, no município de Alcântara, foi contemplada com uma cozinha comunitária. Poderia ser apenas mais uma entre as dezenas de obras entregues pelo governador Flávio Dino nos últimos 45 dias em mais de 40 municípios. Não é. Esta é uma obra diferente. Carrega em si valor simbólico que vai muito além das 200 refeições diárias, oferecidas gratuitamente às famílias da agrovila e várias outras da circunvizinhança, todas deslocadas desde a construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).
É este o primeiro restaurante popular construído numa comunidade quilombola do Brasil. Isto explica em grande medida o brilho nos olhos e o sorriso largo do senhor Miguel, aos 80 anos. “O pessoal dizia que isto não iria ter, mas para Deus nada é impossível. Nunca julgava que Marudá teria uma cozinha dessas”, comemora o descendente de quilombola.
Entusiasmo ainda maior porque a cozinha oferta cursos, oficinas e capacitação sobre segurança alimentar. O cardápio definido com a participação da comunidade preserva os hábitos alimentares do município e da região. Os produtos que abastecem a cozinha são adquiridos nas agrovilas fortalecendo a economia local.
Mas, o ceticismo daquela população é compreensível para quem esperou por mais de nove anos para ver concluída a cozinha comunitária e décadas por direitos e solidariedade. Nosso país tem dívida gigantesca com o povo negro. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão.
Primeira vila do Maranhão, Alcântara foi um dos pólos escravagistas, no século 19. Na freguesia principal e nas demais do município trabalhavam cerca de 8 mil escravos nos engenhos de açúcar e fazendas da região. Resistentes, muitos foram açoitados e mortos. Outros formaram quilombos e lutaram pela liberdade.
Esta que nestes tempos de escuridão é alvo de esdrúxulas portarias, que tornam mais branda a legislação sobre trabalho escravo, cujos efeitos foram anulados liminarmente em boa hora pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber.
O Maranhão nos dias atuais está na vanguarda das políticas sociais. A cozinha comunitária de Alcântara é parte desta política de direitos. Também no atual governo foi sancionada lei que garante 20% das vagas para negros nos concursos públicos estaduais. São ações afirmativas, medidas reparadoras e necessárias para um povo que por muito tempo ficou à margem das políticas sociais.
No processo inverso do governo federal, que reduz ou extingue programas sociais, o Maranhão amplia a rede de restaurantes populares. Nada mais justo num país em que seis bilionários acumulam a mesma riqueza de 100 milhões de brasileiros mais pobres. Em dois anos e dez meses, a rede triplicou de cinco para 15 equipamentos, que atendem vários municípios. A quantidade de refeições servidas diariamente cresceu cerca de 200% passando de pouco mais de 6 mil para quase 19 mil refeições. É alimentação saudável para maranhenses que, na maioria das vezes, não têm acesso ao café da manhã, almoço e jantar. Dignidade, direitos e cidadania fazendo parte do cardápio daqueles que mais precisam.
Radialista, jornalista. Secretário adjunto de Comunicação Social e diretor-geral da Nova 1290 Timbira AM.
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