sexta-feira, 27 de junho de 2014

O OUTONO DO PATRIARCA

Depois de ler o excelente “Honoráveis bandidos”, de Palmério Dória, lançado em 2009, tive uma certeza: o livro, cujo título aproveita expressão usada por Karl Marx mais de um século atrás, teria consequências na esfera judicial. Se seu conteúdo fosse verdadeiro, não haveria como integrantes do clã Sarney,a começar pelo chefe, não irem parar na cadeia.
Se fosse falso, Palmério Dória não escaparia de uma condenação.
Nada aconteceu. O livro chegou a estar em segundo lugar, durante algumas semanas, na lista dos mais vendidos, mas tudo parou por aí. O único incidente maior foi a tentativa frustrada de impedir, por meio de capangas, o lançamento da obra em São Luís. Sarney negou que tivesse responsabilidade pelo acontecido.
Nestes dias, quando ele anunciou que não mais se candidataria a um cargo público, me veio à cabeça outra obra, “O outono do patriarca”, do genial Gabriel Garcia Marquez.
História de um personagem que, em alguns momentos, lembra Odorico Paraguassu, de Dias Gomes, o livro de Gabo narra uma absurda história de um ditador solitário num país imaginário no Caribe. Ele estava no poder há tanto tempo que nem se sabe quanto e tinha uma idade entre 107 e 232 anos.
Pois Sarney se assemelha tanto a Odorico, como ao patriarca de Gabo. E fez do Maranhão um palco para o realismo fantástico digno de uma Macondo.
Em 1954, há 60 anos, portanto, tentou uma cadeira de deputado federal pelo Maranhão, tendo ficado como suplente. Na eleição seguinte, em 1958, conseguiu eleger-se para a Câmara, tendo sido reeleito em 1962. Embora filiado à UDN, apoiava o presidente João Goulart, exercitando já naquela época uma incomensurável vocação para o adesismo.
Com o golpe em 1964, fez todos os malabarismos possíveis junto aos militares para evitar a cassação de seus direitos políticos. A bajulação teve resultado e ele manteve o mandato. Manteve Um ano depois, já fervoroso adepto da ditadura, foi eleito governador do Maranhão. A partir de 1970 foi senador.
Na ditadura foi durante longos anos presidente do partido que a dava sustentação parlamentar, a Arena. Era o principal porta-voz, no Congresso, dos militares que tinham usurpado o poder. Quando a ditadura começou a fazer água, bandeou-se para a oposição, juntamente com Antônio Carlos Magalhães e outras figuras de triste lembrança.
Em troca dos votos da dissidência da Arena que deu origem ao PFL no colégio eleitoral que escolheu o sucessor do general Figueiredo na Presidência, conseguiu o cargo de vice na chapa de Tancredo Neves.
Com a morte deste último, a Presidência da República caiu-lhe no colo. Fez um governo medíocre, conquistando o merecido título de campeão da inflação, que, nos 12 meses de 1987, chegou ao índice recorde de 366%.
Deixou a Presidência e voltou ao Senado, tendo estado na linha de frente no apoio a todos os governos que se sucederam, com a exceção do de Fernando Collor, que, com seu estilo destemperado, o classificava de “ladrão” no rádio e na TV. Hoje os dois são aliados.
Apoiou Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula. E apoia Dilma Roussef. Quando esteve ameaçado de perder a eleição no Maranhão, estado que seu clã controla há 60 anos e tem os piores indicadores sociais do país, transferiu o domicílio eleitoral para o Amapá. Conseguiu manteve um lugar no Senado. Desnecessário dizer que mal visita o estado pelo qual se elegeu.
Sua decisão de se aposentar é uma notícia alvissareira. Ele é um legítimo representante do que há de mais atrasado em nossa política.
Que descanse em paz.
Wadih Damous é presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio  de Janeiro

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