João Capiberibe*
Fui prefeito de Macapá (1989-1992) e governador do Amapá por dois mandatos (1995-2002). No período em que governei o estado, tive profundas divergências com o Legislativo e o Judiciário, sempre por questões orçamentárias. Essas divergências chegaram a provocar a manifestação corporativa de 23 dos 27 presidentes de Tribunais de Justiça do país que, reunidos em um congresso em São Luís do Maranhão (em 2001), assinaram uma nota me declarando “inimigo público” do Judiciário.
Mesmo tendo uma relação distante e, em alguns momentos, pouco amistosa com o Tribunal de Justiça do Amapá, nunca fui condenado, nem mesmo respondi a processo por improbidade administrativa ou criminal. Tampouco carrego qualquer pendência nos burocráticos Tribunais de Contas, do Estado ou da União.
Nas oportunidades em que a sociedade me confiou gerir seu dinheiro, eu o fiz com zelo e transparência. Por que então me custa tanto assumir um mandato de senador da República, conquistado democraticamente em 2010 em sufrágio universal?
Alguém pode se perguntar: mas se ele nunca foi condenado, por que então o TSE o enquadrou na Lei Ficha Limpa e lhe cassou o registro de candidato no dia 30 de setembro de 2010, a 48 horas da eleição?
É verdade! Não vou omitir: tenho duas condenações, ocorridas em momentos históricos antagônicos. A primeira condenação aconteceu nos tempos sombrios de coturnos e baionetas. Em 1971, um tribunal militar me sentenciou a seis anos de prisão por atividades subversivas. Fiquei onze meses preso. Um dia, meus carcereiros cochilaram, fugi e fui bater no Chile de Salvador Allende. Depois de nove anos, a Lei da Anistia pôs fim ao meu exílio e retornei ao Brasil.
Tempos depois, na democracia, com as feridas do passado já cicatrizadas, fui sentenciado por outro tribunal, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como única prova, o depoimento de duas mulheres que me acusavam de lhes ter comprado os votos por R$ 26, pagos em duas parcelas – história rocambolesca que uma busca simples no Google revela os bigodes por detrás da trama. O TSE reformou então a decisão do TRE-AP, que havia decidido pela improcedência da acusação, e, por cinco votos a dois, cassou-me o mandato de senador conquistado nas eleições de 2002. Mas não só o meu: com a mesma acusação leviana ceifaram o mandato de uma deputada federal, simplesmente por ter Capiberibe no nome. Janete, minha companheira de vida e luta, depois de consagrada nas urnas como a deputada federal mais votada para a Câmara Federal nas eleições de 2002, também perdeu seu mandato.
Dizem que um raio não cai duas vezes na mesma cabeça, mas depois de caçado e preso pela ditadura, cassado sem processo criminal na democracia, o TSE conseguiu o inusitado. Com base em uma lei aprovada por um Parlamento acuado, o tribunal decidiu jogar para a plateia e, afrontando a Constituição, fez valer a Lei da Ficha Limpa, o que me impôs uma terceira cassação. Mas desta vez escapei por um triz. Em 23 de março deste ano, o STF decidiu que essa lei, por ferir o art. 16 da Constituição Federal, que determina que uma lei que modifique o processo eleitoral não pode ser aplicada no ano em que foi promulgada, não valeria para as eleições de 2010, quando me elegi senador.
Escapei? Em tese sim, mas na prática ainda não.
No dia 1o de setembro deste ano, o ministro Luiz Fux, dando consequência à decisão do pleno do STF, anulou a decisão do TSE, restabelecendo meu registro de candidato e comunicando ao TRE do Amapá que procedesse à diplomação e abrisse caminho à posse no senado.
No entanto, pasmem! O presidente do TRE/AP, desembargador Ednardo Sousa, considerando obscura a decisão do ministro Luiz Fux, negou-se a emitir o diploma. Claro que “agravei de sua decisão”, terminologia jurídica para a ação de recorrer de uma decisão, e também fiz uma reclamação ao STF. Mesmo tendo obtido votos suficientes e sem qualquer impedimento legal, a posse não acontece. Que força estranha é essa que impede a materialização da vontade do povo do Amapá?
Aguardo o desfecho que pode vir de dois lados, da reclamação feita junto ao STF e do pleno do TRE/AP, que brevemente julgará meu recurso contra a decisão monocrática do desembargador. Lembro que, no ano passado, por quatro votos a dois, o TRE/AP homologou minha candidatura ao Senado. E, como dizia Torquato Neto: “Quem espera sempre alcança, três vezes salve a esperança!”
* Ex-prefeito de Macapá, ex-governador, senador eleito no pleito de 2010
terça-feira, 1 de novembro de 2011
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