Paulo Kramer
Em visão bem-humorada da sucessão presidencial, colunista fala, entre outras coisas, de solidariedade mineira, do sonho de Aécio em presidir o Senado e do pouco talento de Dilma como piadista
“O mineiro só é solidário no câncer”, reza a tirada do pernamburoca,  ou cariobucano, Nelson Falcão Rodrigues, que marotamente a atribuía ao  mineiríssimo amigo Otto Lara Resende.
Professor conhecido meu,  insuspeito, por ter nascido e crescido na região do Triângulo Mineiro, adora  contar a historinha a seguir, que mais parece invenção de outro filho ilustre e  saudoso das Gerais, o cartunista Henrique de Souza Filho, dito Henfil, criador  do sádico personagem Fradinho. No início dos anos 60, quando o mercado  brasileiro começou a ser invadido pela margarina vegetal, famílias expressivas  daquela bacia leiteira passaram a consumir apenas Claybom.
Por quê? Ora,  só pelo gostinho de ver o vizinho pecuarista quebrar. (Os alemães têm um nome  chique para esse sentimento de regozijo com a desgraça alheia:  schadenfreude.)
Anedotário à parte, desta vez o ex-governador  Aécio Neves tem incentivos bem concretos para apoiar, ativa e concretamente, a  candidatura oposicionista à Presidência da República. Na hipótese de levar até o  fim sua pretensão ao Senado, que sonha presidir, ele sabe que precisará investir  no efeito-arrastão de uma vitória serrista que lhe forneça maioria favorável na  Câmara alta.
De outra parte, caso se materialize o cenário em que vários  analistas ainda acreditam e muitos oposicionistas fervorosamente apostam – sua  aceitação do papel de vice na chapa encabeçada por José Serra –, o empenho do  mineiro pelo sucesso da aventura será ainda maior, sobretudo se, ao cultivo do  seu ego montanhês, for acrescida a perspectiva de controle de generosas fatias  da máquina federal.
A adesão plena de Aécio desequilibrará, a favor de  Serra, a delicada equação geográfica do voto em 2010, juntando Minas (segundo  maior colégio eleitoral do país) ao bloco sulista encabeçado por São Paulo (o  primeiro) e vitaminado pelo agronegócio do Centro-Oeste, de modo a compensar a  previsível ‘lavada’ que o queremismo lulista, corporificado na ‘noviça  obediente’ do Planalto, Dilma Rousseff, certamente dará no subcontinente do  Sarneystão (Norte e Nordeste).
Se o meu raciocínio estiver correto, a  maioria dos cariocas e fluminenses deverá engrossar o cordão pró-Serra, no  embalo da simpatia irradiada pelo mineirinho que há muito fez de Ipanema o seu  segundo lar. Daí até esta outra piada.
Noite alta, o telefone toca no  Palácio dos Bandeirantes, e Serra atende, logo ouvindo aquele sotaque  familiar:
- Alô, Zé? Aqui é o Aecim...
- Tudo bem, meu! Onde você  está?
- Em Belzonte, uai.
- Dio mio! Aconteceu alguma tragédia  aí?
A nova constelação política dominante é definida pela convergência  São Paulo/Minas Gerais, 80 anos depois do fim da política do café-com-leite da  República Velha, sepultada pela Revolução de 30, e um quarto de século após o  decisivo endosso paulista, sob a liderança do governador Franco Montoro, à  candidatura do seu colega mineiro, Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral, palco  do desenlace do regime autoritário e do nascimento da Nova  República.
Esse alinhamento tirou toda a graça do chiste recentemente  tentado pela também mineira Dilma em visita ao seu solo natal, a bordo de mais  uma das suas  incontáveis violações à lei que proíbe campanha fora de época.  Recém-chegada ao humorismo político, ela exortou os seus conterrâneos a darem um  voto-flex em outubro, consagrando a chapa Dilmasia, ou  Anastadilma, numa alusão ao governador e pupilo sucessório de Aécio,  Antonio Anastasia. Ninguém riu.
Aliás, tampouco no Ceará, berço de gênios  populares da comédia como Chico Anysio e Tom Cavalcante, logrou ela angariar  sorrisos de aprovação. Pudera: na maior sem-cerimônia, achou que era só chegar e  armar seu coreto no estado onde o ex-deputado estadual, ex-prefeito de  Fortaleza, ex-governador, ex-ministro da Fazenda e da Integração Nacional, o  hoje amargurado deputado federal e recém-tratorado aspirante presidencial Ciro  Gomes (PSB) foi protagonista político ao longo de três décadas e cinco partidos  e ainda é popularíssimo. Ele anda tão ressentido que, para desmoralizar Dilma e  Lula, chega a elogiar seu arquiinimigo Serra, considerando-o “mais preparado”.  Criador e criatura começam a experimentar o desconforto que é ser alvo da  artilharia verbal de Cyro, se é que já não pressentem até mesmo o risco,  imagine-se!, de perder um estado crucial para a sua estratégia  nordestina.
A oposição, energizada como nunca nos últimos oito anos,  acredita cada vez mais na vitória com Serra e Aécio, torce pelas próximas gafes  dilmescas e dá boas gargalhadas.
Schadenfreude.
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