sábado, 10 de abril de 2010

Celso Arnaldo, o pior escritor do mundo e a ode ao bigode

Celso Arnaldo, o pior escritor do mundo e a ode ao bigode

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José Sarney acha que o bigode dá sorte, disso se sabe faz tempo. O que só se soube nesta sexta-feira é que o chumaço sobre os lábios é a versão brega-Maranhão dos cabelos de Sansão: se raspá-lo, acredita Madre Superiora, perderá a força política (e, se a Justiça não estiver desatenta, também o patrimônio de bom tamanho). Como a seção foi criada para radiografar a cabeça dos homens que governaram o Brasil, O País quer Saber abre espaço para a revelação de Sarney, magistralmente analisada por Celso Arnaldo.

Mal raiou o dia, passo os olhos pela primeira página da Folha. Mas, enquanto leio as manchetes óbvias ─ tragédia em Niterói, fim da greve dos professores em São Paulo ─ meu dedo médio hesita em levar a consulta à página 2. Hoje é sexta-feira e a sensação, com aFolha em mãos, oscila entre o antegozo e o medo da frustração.

É dia da crônica de Sarney, que sempre aguardo com enorme excitação; afinal, é o pior escritor do mundo ─ mas há sempre o receio de que ela não seja suficientemente péssima. Às vezes, Sarney não está num bom dia.

Enfim, venço a hesitação e caio na página 2. E logo percebo que, independentemente do conteúdo, o título da coluna de Sarney recomenda cessar tudo quanto a antiga musa canta:

“ODE AO BIGODE”

O jogo de palavras, na boca de um cronista decente, seria até um achado. Na dele, é vitupério. Sarney vai escrever sobre o chumaço de pelos labiais que, na semana passada, enquanto o país se chocava com a incapacidade criminosa do estado do Maranhão de salvar suas crianças, foi heroicamente poupado pelos especialistas do Sírio-Libanês. Mas vamos lá:

“Sou supersticioso e acho que sempre me dei bem com o meu bigode. Não o trato com cuidado. Às vezes o deixo grande, outras, pequeno. Não mantenho coerência em sua tonalidade, que clareia e escurece sem que eu conserve a cor estável. Já foi maior, indo além dos lábios, e outras vezes foi menor e mais cheio.”

Sarney sempre se deu bem, ponto. E, justiça seja feita, a autodescrição do bigode é perfeita - e cai como uma luva na trajetória política de José Sarney e para o modo como sempre tratou a coisa pública.

“Ele me acompanha desde os 16 anos, quando, para parecer mais velho, o adotei, abandonando a cara de criança que não achava combinar com meu serviço: contínuo da Polícia Civil do Maranhão, servindo café e distribuindo correspondência.”

Desde os 16 anos, com cara de criança (alguém consegue imaginar Sarney com cara de criança?), já mamando nas tetas públicas ─ a diferença é que hoje ele deixaria o bule cair se ouvisse a polícia o chamar.

“Começando a trabalhar em jornal, logo me colocaram o apelido de bigodinho. ´Ê tu do bigodinho, faz a revisão deste texto´. E por aí passei a integrar-me a ele, companheiro da vida inteira.”

Irônico: o bigodinho revisava textos dos outros; o bigodão não revisa nem os dele.

“Uma noite, em São João Del Rey, encontrei o Chico Caruso e lhe disse: ´Eu ajudo muito os chargistas. E ele replicou: ´Em quê?´. ´Com meu bigode, que facilita o trabalho de vocês´”.

Com a convocação súbita de Chico Caruso, por um instante tem-se a impressão de que haverá um momento inteligente no texto do Sarney. Mas, não. O caricaturista só entra na história para demonstrar sua perplexidade com a “boutade” pálida e sem graça de Sarney.

“Mas meu bigode teve outras ameaças. O Brizola, num daqueles rompantes de frases cruas, disse uma vez: ´Vou raspar o bigode do Sarney´. E Vitorino Freire, meu adversário duro e violento do Maranhão, também, em momento de fúria agressiva, em vez de querer raspar, ameaçou: ´Vou arrancar o bigode do Sarney a pinça, fio por fio´. Pediram-me a resposta. Calmamente, como é do meu feitio, apenas comentei: ´Vai doer muito…´.”

Uma enquete na coluna certamente elegeria o método de Vitorino Freire, o que dói mais.

“O certo é que ele resistiu a tudo e a todos. Não é que agora, eu tranquilo, fui ao médico para retirar uma lesão que encontraram em meu lábio superior, e o médico relatou os procedimentos a fazer: o primeiro deles, raspar o bigode. Eu quase desmaio. Doutor, este bigode já sofreu muita agressão e foi gozado em prosa e verso, o senhor acha que vou raspá-lo? A medicina está tão atrasada que não pode manter um bigode?”.

Não, a medicina do Hospital Sírio-Libanês está avançadíssima, a ponto de salvar o bigode dele. A do Maranhão é que está um tantinho atrasada.

E Sarney, depois de uma desconexa aula de história sobre o bigode de Duque de Caxias, encerra sua ode com um suspiro de alívio:
“Eu, graças a Deus, preservei o meu e apenas fiquei uns dias com dificuldade na articulação da palavra.”

Essa dificuldade Sarney a tem desde que começou a falar e a escrever.

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